Eu era sem forma,
Eu me deformei
Não possuía repertório
Eu o roubei
Uma criança problemática
Naturalmente cáustica
A carta mais baixa
Do baralho dos rotos
Tão sem talento, à mercê dos tolos
Sempre inoportuno
Um caminho sem rumo
Eu ainda sou
A cicatriz que incomoda
Na contramão da moda
Apedrejando janelas
Apagando as velas
Destinadas aos mortos
Nas guerras do tédio
Do amor e do ócio
Irracional demais, incapaz de falar
Sempre contuso
Impossível mudar
Eu não tinha deus
Hoje não tenho nada
Abominado entre os meus
Sem roteiro a seguir
Pronto para cair
Em busca de uma resposta
Ignorado, iletrado
Atirado ao anonimato
Desarmado, sem forças por ora
Eu estou aqui
Estou indo embora
Eu era sem voz
Continuo um pouco mudo
Faminto e atroz
Digerido pelo mundo
Sem qualquer proteção
Ele ainda é
Um discurso de indignação
Sem saber o que dizer
Órfão dos órfãos, rebento sem nome
Eu degolei minha infância
Sou a infâmia dos carrascos
Muito sujo, envolto em trapos
Agora sem roupas
Nos esgotos banhado
Tão perturbado, digno de pena
Com uma pena escrevo
As palavras que furtei
Eu era um aleijado
Ele cortou nossos braços
Extremamente desprezível, diabólico
Ateando fogo no inferno
Invisível aos nossos olhos
Eu era destrutivo
Não há mais o que destruir
Sem luz, eu quebrei suas lâmpadas
Sem chances, ele roubou nossa esperança
Tão fraco, repulsivo
Sempre sem nada
Ele deveria tombar
Antes da primeira palavra
Eu era sem chão, eu abri minha cova
Uma pútrida rosa
Nesta alcova germinou
Em cativeiro, ele não nos cativou
Eu era sem vida
Hoje eu posso morrer, enfim
Tão sem começo
Mas ainda sem fim