Primeiro serrou a pele de um dos braços com uma velha faca de cozinha que encontrara na gaveta. Começou a rabiscar a palavra “amém”, apenas por gostar da sonoridade. Mas decidiu substituir a terceira letra e escreveu “amaldiçoado”. Misturou Whisky e Tequila, despejou em 8 copos pequenos e tomou uma dose. Quando já havia escorrido sangue o suficiente para pintar o chão de seu velho apartamento, tomou mais uma.
Segurou o cutelo acima da cabeça e decepou dois dedos do pé esquerdo, primeiro o maior. Depois o menor. Ouviu falar em algum lugar que os dedos mindinhos dos pés eram responsáveis pelo equilíbrio do corpo, mas depois de ter virado mais uma dose já sabia que não poderia se equilibrar novamente por algumas horas. Estava gostando do sofrimento, levando a própria destruição a um novo patamar além do álcool, do tabaco, da prostituição e da bebida. Cortou fora de uma só vez 4 dos cinco dedos da mão esquerda. Sentiu raiva por um momento e lançou o cutelo na parede, esperando que ficasse fincado lá. Desapontamento. Ele quicou nos tijolos semi-expostos, chacoalhou no assoalho e ficou parado lá. Porra de cutelo.
Tentou tirar os cabelos loiros dos olhos, que se emaranhavam na cara enquanto ela tomava mais uma dose. Os dedos fantasmas apenas sujaram os fios de sangue deixando-os ainda mais gosmentos e sujos. “Que comédia”, murmurou. Uma vez. Duas vezes. A terceira. Uma quarta dose daquela mistura ácida de bebida e sangue, garganta abaixo; garganta adentro.
Com uma lâmina de barbear corta as pálpebras, para que seu instinto não possa lhe negar o prazer daquelas imagens. Apanha doze comprimidos de uma cartela de remédios, deposita na boca de seis em seis e despeja mais duas doses. Está sentado no chão, meio de lado. Cabelos pingando de suor, pegajosos e úmidos. Sangue por todo lado. Mas que merda, pensa. Que grande merda. O ser humano é frágil demais. Fraco demais. Quebradiço e sensível e repugnante e vulnerável demais. Ela precisa sentir todas as extensões de seu ser. Tudo aquilo que pode ser destruído ou quebrado dentro e fora dela deve ser destruído e estilhaçado. Reduzido a pedaços. Dor e sofrimento. Nacos de carne. Não, aquilo não é suficiente. Precisamos superar isso, temos de nos levar ao nosso próprio limite e trespassá-lo para podermos rir na cara de Deus e dizer que brincamos e rimos muito, e gozamos enquanto sentíamos a alma ser arrancada do peito através de furos de balas, a vida esvaindo-se por buracos de facas na pele escorregadia. Pecamos e achamos muito bom. Aquilo não é suficiente, não. É somente o começo. “O começo do fim”, diz ela.