terça-feira, 4 de março de 2008

Hino

Sinto-me vazio como um peixe limpo

E o mundo continua rodando em seu vórtice implacável

Os prédios se erguem na cena como túmulos guardando corpos inertes

O céu deixa de ser vermelho para tornar-se cinza por uma noite

O galopar contundente dos que já se foram e retornam


Alguém toma a atenção para si e rege ordens, desenha letras, assusta pessoas

Em um lugar sujo e abafado uma garota chora a cada vinte e quatro horas

Seu amigo invisível pede que ela se deite, não chore, feche os olhos

Em outro lugar algo se quebra e explode em pedaços desfeitos

O que era perfeito pode tornar-se irreparável


Sinto-me perdido como um cadáver flutuante

Aos poucos a verdade se torna distante e sua mão faz movimentos involuntários

Um menino se encanta com o brinquedo na vitrine em um canto da cidade

Um motorista condenado atropela o garoto distraído

As celas batem contra o couro anunciando a chegada do fim


Dentro de um quarto combalido uma mãe morre em lençóis sujos

Seu bebê se afoga dentro da banheira em gritos leves e úmidos

Ratos rastejam sob roupas, entre peles, esfregando-se, cobrindo, infectando

Vidas são arrebatadas e corrompidas

A manhã eleva-se no céu, substituindo o cinza por vermelho


Sinto-me apagado como uma folha queimada

Corpos sujos se arrastam por cima das camas

Memórias desgastadas são disseminadas e reencontradas

Pessoas enfileiradas são como lápides de si próprias

A festa fúnebre perde-se no eco das palavras


Aquela garota colhe estrelas com as mãos enquanto desaparecem entre as nuvens

As avenidas são corredores onde seres mudos fazem uma travessia

O amor é uma faca que deve ser segurada pela lâmina

Todos os renegados vêm para recolher seus pertences

Tudo o que já foi está voltando agora

2 comentários:

alex disse...

It's very sad and deep...

Anônimo disse...

Bravo!





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Abraço