sábado, 15 de março de 2008

Carta ao Papai

Papai

Gostaria de dividir com você algumas das minhas opiniões e sentimentos que, apesar de não serem assim tão recentes, me incomodam de modo profundo e constante. Não sei como começar a dizer, então vamos pular a introdução e ir direto ao que eu realmente quero lhe dizer. Você é um merda. Você é patético, repugnante e eu odeio você por me fazer ser assim. Eu me odeio, porque eu sou como você. Eu vivo falando que não quero ser como todo mundo, que a humanidade é uma merda, e me dizem para então ser alguma coisa. Para fazer acontecer. Não, não dá. Eu não tenho capacidade. Você matou a mim, papai. Com sua educação limitada, livros didáticos e injeções intramusculares, você acabou comigo e me entregou ao mesmo futuro que o seu. Isso tudo foi inveja, papai? Porque você não podia ser melhor que eu, eu tenho que ser pior que você? Eu sou patético, tenho uma rotina lamentável, não tenho capacidade de fazer grandes coisas. Não sei escrever um best-seller. Não posso compor uma canção de sucesso. Não vou bem na escola, não faço sucesso com as garotas nem sou bom nos esportes. Às vezes consigo ler um livro, e sou bom em ouvir músicas. Eu sei ouvir. Gosto muito de ver filmes. Eu sou isso. Sou a vocação castrada de alguém, a vida alterada de outra pessoa como eu. Eu sou você, papai. E eu nasci para ficar atrás da cortina, sentada em frente ao palco, apoiado sobre os joelhos, batendo palmas e pedindo autógrafos. Eu não posso ser um astro, papai. Não fui feito para brilhar, mas sim para ser iluminado pelas verdadeiras estrelas. Eu nunca serei um astro do rock ou um escritor de sucesso, e não quero que você me engane, papai. Não vou deixar que ninguém faça isso. Você me pôs no mundo e pode dar ordens à vontade, e eu vou calar a boca. Mas antes você tem que me escutar. Tem que saber que nós temos plena consciência da merda de vida que levamos, e a culpa é de vocês. Vocês nos dopam e gritam conosco, e isso simplesmente fode com a gente. O que eu quero dizer, papai, é que eu desisti. Você venceu. Todos vocês. Eu não tenho ambições, nem vontades. Não tenho potencial. Mas eu vou ser perfeito, papai. Vou bater os aplausos perfeitos, vou gritar no tom certo e escolher um bom terno para a minha entrevista de emprego amanhã. Eu não te amo, papai. Nunca amei nem vou amar, mas desejo a você felicidades e muitos anos de vida. É assim que tem que ser. Eu sou o espectador atrás do espectador atrás do espectador, um coadjuvante da minha vida, o nêmesis da minha história. Eu odeio você e no que você me transformou, papai. Lembre-se disso. Você se matou e agora matou seu filho. Nunca se esqueça que os verdadeiros heróis estão mortos, e você condenou seu filho a mais uma geração de sofrimento, hipocrisia e resignação.

Com todo o rancor do mundo,

Seu Filho.

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Um comentário:

R. S. Diniz disse...

"para que deuses nasçam, mundos precisam ser destruídos."

herman hesse


O conflito entre gerações é inveitável. Não sei o que é pior, o teu pai, que se separou e nãop te dá notícias, ou o meu, que não se separou mas não dá notícias nem pra mim nem pra minha mãe.



Esses homens não prestam mesmo.